Artigo publicado no Jornal do Centro (6 de junho de 2020)
A repentina passagem do ensino presencial para ensino a distância trouxe, entre outras coisas, uma interessante discussão acerca da avaliação, centrada sobretudo no receio de que os alunos cometam fraude. A reflexão de hoje não vai ser à volta do tema da avaliação, embora ele dê pano para mangas. No entanto, serve de ponto de partida. O fator predominante que leva um aluno a cometer ou não fraude não tem a ver com as condições físicas da realização da prova (presencial ou a distância). É o aluno, ele mesmo. A pessoa que é, os princípios por que se rege. Os quais, por sua vez, são resultado da sua vivência, parte da qual diretamente ligada à vida académica. Um aluno que, pela sua forma de ser, pela sua formação moral e ou por outras razões, rege os seus comportamentos por princípios éticos, muito provavelmente manterá uma postura digna, correta e honesta, mesmo que esteja sozinho na sala, sem qualquer espécie de vigilância. Um outro cujo perfil seja o inverso, tentará cometer fraude, mesmo numa prova presencial com forte vigilância. Tenho para mim que na vida, de um modo geral, em 90% dos casos recebe-se aquilo que se dá. Simpatia tende a gerar simpatia, honestidade tende a gerar honestidade; em sentido inverso, agressividade gera agressividade, desconfiança gera desconfiança. Claro que há exceções. Mas são isso mesmo: exceções. Na minha vida profissional, a esmagadora maioria dos alunos devolve-me aquilo que (acho que) lhes dou (ou, pelo menos, procuro dar). Na aula de apresentação, por exemplo, deixo claro que, uma vez que não os conheço, parto do princípio que todos são honestos e responsáveis. E é com base neste pressuposto que procuro assentar a nossa relação, procurando ser igualmente honesto e responsável para com eles. Deixo também claro que se algum, alguma vez, me provar que estou errado, nessa altura sentir-me-ei no direito de repensar a minha atitude para com ele. O mesmo se aplica à sua atitude em relação a mim, claro. A verdade é que, ao longo de quase 35 anos de profissão, foram pouquíssimos os alunos que me desapontaram. Quase todos têm tido um comportamento digno e correto, incluindo nos anos mais recentes. Sendo maioritariamente jovens, tenho de acreditar no futuro. Tratemo-los como gostariam que eles tratassem a sociedade ao longo da sua vida.
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Artigo publicado no Jornal do Centro (30 de agosto de 2019)
O jornal online “Observador” publicou na passada segunda-feira uma interessante entrevista com o professor José Pacheco que, há 40 anos, esteve na origem de (pode dizer-se) uma revolução na forma de ensinar (Escola Básica da Ponte, concelho de Santo Tirso). Seguramente polémica, deve obrigar a refletir, a parar para pensar. Com o devido respeito, deixo meia dúzia de extratos dessa entrevista: - “O centro [da aprendizagem] não é o aluno, mas sim a relação entre professor e estudante. (…) A aprendizagem só acontece quando há criação de vínculos. Se quando estudava teve um professor de quem não gostou, não aprendeu nada. É na qualidade da relação pedagógica que se aprende ou não se aprende. (…) Já fui ingénuo e, durante 30 anos, acreditei que o centro fosse o aluno. Só os burros é que não mudam de ideias.”. - “Um professor não transmite aquilo que diz, transmite aquilo que é.”. - “Não há dificuldades de aprendizagem, há dificuldades de ensinagem [‘Ensino’ é o ato de ensinar, ‘ensinagem’ é o processo pelo qual ocorre a aprendizagem]. Não há alunos com necessidades educativas especiais, há professores com necessidades educativas especiais. Não há alunos deficientes, há práticas deficientes.”. - “Estamos no século XXI, não sei se já entenderam… Como costumo dizer, temos alunos do século XXI, professores do século XX a trabalhar como no século XIX. É um escândalo.”. - “Um teste nada avalia, ou melhor, avalia a capacidade de retenção na memória de curto prazo de determinada informação para debitar num papel e esquecer.”. - (ainda acerca das provas de avaliação e da “necessidade” de colocar os alunos afastados uns dos outros): “(É) agir no pressuposto de que os alunos são desonestos. É transmitir valores errados, da mentira, da desconfiança, da corrupção.”.
Artigo publicado no Jornal do Centro (18 de janeiro de 2019)
O Governo, através do ministro da Ciência e outros responsáveis, manifestou-se favorável ao fim (gradual) das propinas no ensino superior. Como seria expectável, apareceram posições a favor (entre as quais, a do Presidente da República) e contra (Marçal Grilo e Manuela Ferreira Leite, entre outros). Pessoalmente, sou contra o fim das propinas, ou seja, contra o ensino superior gratuito de forma universal. Entre outras razões, porque torna as instituições totalmente dependentes do Orçamento de Estado, agrava as desigualdades sociais, de forma direta e indireta (sim, ao contrário do que pode parecer) e pode conduzir a menor empenho por parte de alguns alunos (e menor pressão sentida pelo próprio e imposta pela sua família). Mesmo que do ponto de vista macroeconómico os recursos fossem ilimitados, não pagar propinas seria sempre um sinal errado. A educação (o conhecimento) é um bem valioso. Tem valor intrínseco. Torná-lo gratuito é desvalorizá-lo. Entendo que, por defeito, a educação de nível superior deve ser (parcialmente) paga por quem dela beneficia, ou seja, o estudante. Mas também acho que compete ao Estado garantir que ninguém fique sem a ela ter acesso por razões económicas. Como? Devolvendo parte, a totalidade ou até um valor superior ao das propinas aos estudantes que realmente necessitem e tenham aproveitamento escolar (e apenas a estes). Gostaria, pois, que a intervenção do Estado fosse por esta via, reforçando a ação social escolar, concumitantemente com uma melhoria do seu funcionamento, nomeadamente em termos de justiça na distribuição das verbas. A educação e o conhecimento são bens com valor. A propina no ensino superior também serve para sinalizar este aspeto. Se forem gratuitos, a ideia que se está a passar é que se trata de bens de tão baixo valor que até podem ser “dados”. É errado.
Artigo publicado no Jornal do Centro (31 de agosto de 2018)
À escala global, cada vez mais se fala sobre metodologias de aprendizagem ativa (active learning). Aquilo a que se chama vulgarmente aprendizagem ativa é um grande chapéu onde cabem muitas formas de abordagem, muitas metodologias. Genericamente, o objetivo é envolver os alunos no processo, dar-lhes um papel mais ativo, em substituição do papel de quase mero ouvinte que em muitos casos continuam a ter. Uma dessas metodologias é a conhecida por Flipped Classroom ou Flipped Learning (que se pode traduzir por sala de aula invertida ou aprendizagem invertida). A sua adoção (em todos os níveis de ensino) tem vindo a crescer em todo o mundo, com resultados muito interessantes. Recentemente, uma universidade adotou-a a 100%: a MEF University, em Istambul. Um dos seus precursores e atualmente talvez o seu maior divulgador à escala planetária é Jonathan Bergmann (www.jonbergmann.com), que lidera um movimento global com vista à sua disseminação: a Flipped Learning Global Initiative (www.flglobal.org). Vem isto, sobretudo, a propósito de uma conferência internacional que vai ter lugar no Politécnico de Viseu nos próximos dias 26 e 27 de setembro: a ICALE 2018 – International Conference on Active Learning and Education. A palestra de abertura será proferida, a partir dos Estados Unidos, precisamente, por Jon Bergmann. Além de palestras plenárias, haverá workshops e comunicações, sempre com a “aprendizagem ativa” como fio condutor. Porque se pretende maximizar a divulgação e a reflexão sobre este tema, a inscrição em todas as atividades é gratuita, mas obrigatória (www.icale2018.eu/). Apesar de para muitos professores, estou certo, ser a validação de muitas práticas que já adotam, acredito que esta conferência seja uma boa ocasião para (sobretudo nós, professores) tomarmos contacto com outras perspetivas e refletirmos sobre elas. Só nos faz bem. Quase sempre, o maior obstáculo à mudança não são os alunos. São os professores.
Artigo publicado no Jornal do Centro (16 de março de 2018)
Na semana passada assisti a mais uma interessante conferência no âmbito das comemorações dos “30 Anos de Gestão”, subordinada ao tema “Finanças e Contabilidade”. Quatro oradores com perfis, estilos e experiências muito diferentes e, por isso, complementares: Elísio Oliveira, vice-presidente da Câmara Municipal de Mangualde e com uma vasta carreira empresarial, João Rodrigues, com muitos anos de experiência na banca, José Rodrigues de Jesus, bastonário da Ordem do Revisores Oficiais de Contas e Paulo Lourenço, professor e secretário-geral da Federação Portuguesa de Futebol. Todos, sob a moderação do jornalista Miguel Midões, proporcionaram mais uma excelente tarde, mantendo a plateia interessada e atenta. Este artigo foi motivado justamente pelo moderador. Na minha opinião, conduziu a conferência de forma simplesmente magistral. Não o conhecia – nem conheço – e por isso estou absolutamente à vontade para o dizer. É docente na Escola Superior de Educação de Viseu e é isto que me leva ao essencial da reflexão de hoje. Em todas as Escolas do Politécnico de Viseu (IPV) há muitos professores, funcionários e alunos extraordinários, por uma ou outra razão. De todas sairam diplomados que são hoje profissionais reconhecidos nas mais diversas áreas. Em todas se têm feito e estão a fazer coisas fabulosas, a variadíssimos níveis, apesar da escassez de recursos e outras dificuldades/adversidades que enfrentam. E, no entanto, julgo não estar enganado ao dizer que isto (ou muito disto) é desconhecido, não apenas da generalidade da população mas também da maioria daqueles que, diretamente, são e fazem o IPV (alunos, docentes e funcionários). Sendo desconhecido, não é valorizado. Pior: este desconhecimento gera, muitas vezes, mal-entendidos, distorções da realidade, julgamentos injustos, bloqueios mentais. É importante que sejamos capazes de reconhecer o quanto de bom existe e se faz em todas as Escolas do Politécnico e, sobretudo, que sintamos e valorizemos o IPV. Todos. |
Nota préviaIniciei este blogue em janeiro de 2016, na sequência da criação desta página pessoal. Categorias
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