Artigo publicado no Jornal do Centro (28 de agosto de 2020)
1. Todos os dias dou por mim a perguntar o que justifica aquele ritual diário em que se transformou a conferência de imprensa sobre os dados da Covid. Há várias semanas que morrem em Portugal entre 3 e 6 pessoas por dia, com Covid (“com” Covid, provavelmente não todos “de” Covid). Vejamos: - Estatísticas oficiais dizem-nos que nos últimos anos (até 2019) morrem diariamente em Portugal mais de 300 pessoas, em média (em 2020 serão mais e muito provavelmente o excesso será superior às mortes atribuídas à Covid); - Em janeiro deste ano (pré-Covid, portanto) era noticiado que a média de mortes diárias em Portugal por doenças do aparelho respiratório era de 40, sendo 16 atribuíveis à pneumonia comum (médias diárias, reforço); - Não raras vezes, há anos em que morrem muito mais pessoas devido à gripe sazonal do que morreram até agora devido ao novo coronavírus (mesmo que todas as mortes sejam “de” – e não “com” – Covid). Por exemplo, na época gripal de 2018/2019 terão sido mais de 3 000 pessoas. Por estas - e outras - razões parece-me despropositado que, todos os dias, dois, três e mesmo mais altos quadros do Ministério da Saúde e da Direção Geral de Saúde sejam destacados para aquele ritual. Até em termos pessoais, para elas é um desgaste absolutamente desnecessário. Já basta os noticiários de todas as estações televisivas a repetir à exaustão os mesmos números e as mesmas notícias sobre o mesmo tema. 2. Na linha do que aqui escrevi no dia 11 de abril, há outras doenças similares, já com um historial de décadas e com vacinas disponíveis, que matam tanto ou mais que esta nova doença. A preocupação, no início, foi - e bem - estancar o natural e expectável ritmo galopante de disseminação, de modo a evitar o colapso das instituições de saúde. Hoje, passado meio ano, poucos não saberão ainda os cuidados básicos a ter para, individualmente, contribuir para tal. 3. Parece terem sido detetados dois ou três casos de reinfeção pelo novo vírus. A confirmar-se, talvez signifique que uma eventual vacina pode não conferir imunidade à doença. Bom, talvez não seja muito diferente do que se passa com a gripe. E o mundo não tem parado por causa da gripe. Temos de nos habituar a viver de forma um pouco diferente. Mas, que diabo, continuar a viver. E, tanto quanto possível, com um mínimo de sanidade mental. 4. O que me parece é que, cada vez mais, a notícia não se dá, apenas; faz-se, cria-se a si mesma, também. Ou, pior ainda: faz-se e dá-se para criar (preparar) um determinado ambiente.
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Artigo publicado no Jornal do Centro (4 de julho de 2020) Na sequência do lamentável episódio que levou à morte de George Floyd às mãos de um agente policial multiplicaram-se diversas manifestações de repúdio um pouco por todo o mundo (e continuam). A ação daquele agente foi excessiva? Absolutamente. Condenável? Sem dúvida. Como foi. Não apenas socialmente, mas também judicialmente. Mas muitas das manifestações que se seguiram foram igualmente excessivas e condenáveis. Em alguns casos, talvez apenas pretexto para outros atos como pilhagens e de puro vandalismo, desapropriados ou mesmo absolutamente despropositados. Ao ultrapassar o razoável, apenas contribuem para o exacerbar de posições e para o radicalismo. Como escrevi há meia dúzia de meses, este parece ser um dos problemas do mundo, atualmente: falta de equilíbrio e bom senso em muitas decisões e ações. De um lado e do outro. Por cá, as reações a este caso também ultrapassaram o razoável. Houve quem tivesse achado que era justificado, entre outros impropérios, dizer que “polícia bom é polícia morto” e gritar a plenos pulmões, em direção a agentes de polícia, que “foram precisos nove meses para parir isto! Nove meses para parir cobardes!”. O principal objetivo talvez fosse obrigá-los a uma reação negativa, facilmente condenável. Mas não. Confesso que fiquei impressionado com a postura profissional daqueles agentes. Perante tão ruidosos manifestantes gritando “Cobardes! Cobardes!” (a propósito de quê?...), mantiveram o equilíbrio e o bom senso necessários à situação. Os manifestantes eram maioritariamente jovens, duma faixa etária que não terá cumprido o serviço militar obrigatório. Talvez lhes tivesse sido útil. Muito provavelmente, mais cedo ou mais tarde, por este ou aquele motivo, pelo menos alguns deles virão a precisar da Polícia. Nesse dia talvez reconsiderem se “polícia bom” é mesmo “polícia morto”. Tenho poucas dúvidas que, de um modo geral, ações condenáveis de agentes policiais são, de longe, a exceção, não a regra. Como acontece, de resto, na maioria das profissões. Há vários anos que considero que, entre nós, as Polícias (e, por consequência, os seus agentes) não são devidamente tratados por quem os tutela. Vezes demais as suas ações não são apoiadas por quem o devia fazer, no momento em que o devia fazer. Pior: muitas vezes são mesmo publicamente desautorizados, nos momentos mais críticos, por quem os devia defender, justamente nesses momentos. Do ponto de vista de liderança, não me parece correto; do ponto de vista de ordem social, isto (sobretudo tendo em conta o contexto sociocultural atual) tem tudo para dar maus resultados.
Artigo publicado no Jornal do Centro (6 de junho de 2020)
A repentina passagem do ensino presencial para ensino a distância trouxe, entre outras coisas, uma interessante discussão acerca da avaliação, centrada sobretudo no receio de que os alunos cometam fraude. A reflexão de hoje não vai ser à volta do tema da avaliação, embora ele dê pano para mangas. No entanto, serve de ponto de partida. O fator predominante que leva um aluno a cometer ou não fraude não tem a ver com as condições físicas da realização da prova (presencial ou a distância). É o aluno, ele mesmo. A pessoa que é, os princípios por que se rege. Os quais, por sua vez, são resultado da sua vivência, parte da qual diretamente ligada à vida académica. Um aluno que, pela sua forma de ser, pela sua formação moral e ou por outras razões, rege os seus comportamentos por princípios éticos, muito provavelmente manterá uma postura digna, correta e honesta, mesmo que esteja sozinho na sala, sem qualquer espécie de vigilância. Um outro cujo perfil seja o inverso, tentará cometer fraude, mesmo numa prova presencial com forte vigilância. Tenho para mim que na vida, de um modo geral, em 90% dos casos recebe-se aquilo que se dá. Simpatia tende a gerar simpatia, honestidade tende a gerar honestidade; em sentido inverso, agressividade gera agressividade, desconfiança gera desconfiança. Claro que há exceções. Mas são isso mesmo: exceções. Na minha vida profissional, a esmagadora maioria dos alunos devolve-me aquilo que (acho que) lhes dou (ou, pelo menos, procuro dar). Na aula de apresentação, por exemplo, deixo claro que, uma vez que não os conheço, parto do princípio que todos são honestos e responsáveis. E é com base neste pressuposto que procuro assentar a nossa relação, procurando ser igualmente honesto e responsável para com eles. Deixo também claro que se algum, alguma vez, me provar que estou errado, nessa altura sentir-me-ei no direito de repensar a minha atitude para com ele. O mesmo se aplica à sua atitude em relação a mim, claro. A verdade é que, ao longo de quase 35 anos de profissão, foram pouquíssimos os alunos que me desapontaram. Quase todos têm tido um comportamento digno e correto, incluindo nos anos mais recentes. Sendo maioritariamente jovens, tenho de acreditar no futuro. Tratemo-los como gostariam que eles tratassem a sociedade ao longo da sua vida. Artigo publicado no Jornal do Centro (11 de abril de 2020) O tema deste mês é incontornável: a COVID-19. No entanto, gostaria de o abordar de uma forma menos sombria do que o habitual. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, terão falecido até ontem (9 de abril de 2020) cerca de 85 mil pessoas em todo o mundo devido ao novo coronavírus. Sim, são muitas fatalidades e, sobretudo, em pouco tempo. Mas não devemos esquecer que morrem anualmente, em todo o mundo, cerca de 57 milhões de pessoas, maioritariamente devido a doenças cardiovasculares (quase 18 milhões), cancro (9,5 milhões) e doenças respiratórias (6,5 milhões). Destas, cerca de meio milhão (entre 290 mil e 650 mil, dados oficiais) são provocadas pela gripe sazonal. Não será de estranhar se, até ao final do ano, o número total de mortes provocadas pelo novo vírus ultrapassar o das mortes provocadas pela gripe sazonal. A ser assim, representará à volta de 1,5% das mortes em todo o mundo em 2020. Importa ter em conta que se trata de um vírus novo, que varreu o planeta num curto espaço de tempo, não havendo imunidade (individual nem de grupo) nem vacina. Ou seja, é razoável admitir que nos próximos anos o número de fatalidades desça consideravelmente, graças a um melhor conhecimento do vírus, à imunidade de grupo que, entretanto, irá sendo alcançada, ao desenvolvimento de uma vacina, à mudança de alguns hábitos da vida em sociedade e à melhoria dos sistemas de saúde (a vários níveis). Não, não vai ficar tudo bem, mas também não será o fim da Humanidade. Mais: desta, como de todas as crises, sairão também aspetos positivos. Aquilo que cada um de nós, individualmente, pode fazer para melhorar a situação é relativamente fácil, simples e bem conhecido. O sucesso do combate ao vírus está, acima de tudo, no nosso comportamento individual. Preocupemo-nos apenas com as variáveis que podemos controlar. Façamos o que devemos fazer, todos e cada um de nós. E façamo-lo serena e sabiamente.
Artigo publicado no Jornal do Centro (13 de março de 2020)
As notícias das últimas semanas têm sido dominadas pelo (novo) coronavírus. Felizmente, o vírus não se propaga através dos media. Se assim fosse já estaríamos todos infetados. Várias vezes... Evidentemente, a informação séria, rigorosa e credível é importante. Crucial, mesmo. Mas o sensacionalismo e, sobretudo, o excesso de tempo alocado ao tema são contraproducentes. O essencial, aquilo que deve ser conhecido pelo maior número de pessoas, nomeadamente sobre o que cada um de nós pode fazer para travar o contágio, pode ser dito em pouco tempo. E deveria ser essa a tónica. As horas e horas que diariamente são ocupadas em quase todas as estações de televisão são-no, em muitos casos, com abordagens que só contribuem para o alarmismo. Acrescem as redes sociais… As consequências desta virose (des)informativa podem ser mais nefastas do que as provocadas diretamente pelo vírus. Tendo em conta, por um lado, a informação veiculada por fontes que temos de considerar credíveis (por exemplo, a OMS (Organização Mundial de Saúde), os CDC (Centros para Controlo e Prevenção de Doenças, EUA) e, entre nós, a DGS (Direção Geral da Saúde) e o SNS24) e, por outro, as estatísticas associadas a esta doença, acredito que, em termos globais, o impacto será mais forte em termos sociais e económicos do que propriamente de saúde. É verdade que, neste momento, a taxa de mortalidade é superior à da gripe sazonal, mas mais cedo ou mais tarde será desenvolvida uma vacina e é previsível que essa taxa venha a diminuir significativamente. Confiemos na ciência. O melhor que cada um de nós deve fazer é informar-se, informar e prevenir. Não provocar ou entrar em histeria e pânico. A terminar: custa-me perceber por que razão tantos intervenientes, alguns com especial responsabilidade, como jornalistas e médicos, passam a tempo a falar “do” COVID-19. Não é “o” COVID-19 mas sim “a” COVID-19, acrónimo de “coronavirus disease”, ou seja, doença provocada pelo coronavírus. Feminino, portanto. Ao vírus propriamente dito foi atribuída a designação “SARS-CoV-2”. A própria página web da DGS incorre nesta imprecisão (ao contrário do que acontece com o referido microsite do SNS24). |
Nota préviaIniciei este blogue em janeiro de 2016, na sequência da criação desta página pessoal. Categorias
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