Artigo publicado em vários jornais da região de Viseu, no âmbito do Projeto "Clareza no Pensamento"
As taxas Euribor servem de indexante a muitas operações financeiras do nosso quotidiano. É o caso dos empréstimos para compra de casa. O juro que pagamos depende de dois fatores: o indexante e o spread, uma vez que a taxa de juro a aplicar para o cálculo do valor das prestações resulta da soma indexante+spread.
O spread é normalmente considerado como a “margem” do banco na operação e é negociado entre as partes. Variando entre bancos e entre clientes, ronda atualmente (para novos contratos) os 3%. Há alguns anos conseguiam-se spreads muito baixos, à volta dos 0,3%.
Quanto ao indexante, todas as taxas Euribor têm vindo a registar valores historicamente baixos, mas nos últimos dias aconteceu algo inesperado: passaram a negativas (por enquanto, apenas para alguns prazos). Isto levanta questões interessantes nomeadamente no que diz respeito à taxa de juro a aplicar num contrato em que a soma do indexante com o spread resulta num valor negativo. Por exemplo, o que acontece a um contrato indexado à Euribor a 3 meses com um spread de 0,3% no caso de aquele indexante vir a registar o valor de -0,35%? A primeira resposta é que a taxa de juro a aplicar deve ser a que resultar da soma do indexante com o spread, ou seja, -0,05%. Afinal de contas, é assim que se determina a taxa de juro numa situação normal, em que ambos (indexante e spread) são positivos. No fundo, deste modo, o cliente não só não paga juros, como o banco ainda amortiza uma parte da dívida. Este é, certamente, o cenário que mais agrada ao devedor. Uma segunda hipótese consiste em assumir que a taxa de juro não pode ser negativa e, num cenário como o descrito, a taxa a aplicar deve ser 0%, ou seja, o montante que o cliente paga em cada prestação destina-se, na sua totalidade, a amortizar a dívida. Esta é, ao que parece, a posição defendida pela DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor). Uma terceira interpretação é que a taxa mínima a aplicar ao empréstimo deve ser o spread que foi negociado entre as partes. Como é fácil compreender, este é o entendimento (pretensão) já manifestado por alguns bancos. Alguns terão mesmo incluído recentemente nos seus preçários a indicação de que o valor mínimo que consideram para o indexante é 0%, ou seja, no mínimo, aplicam como taxa de juro o valor do spread. Mais: ao que consta, pretendem aplicar esta regra não apenas para novos contratos, mas também para contratos antigos, onde não constava essa cláusula, o que parece abusivo. Neste momento aguarda-se por uma clarificação do Banco de Portugal (ou mesmo de uma entidade supranacional, uma vez que esta situação não é exclusiva do nosso país) sobre o que fazer no caso de este cenário se colocar. A verdade é que não existe nada (entenda-se, disposição legal) que impeça a aplicação de taxas de juro negativas no cálculo das prestações subjacentes a uma operação de crédito, ao contrário do que sucede com os depósitos. Como nota final e por estar de algum modo relacionado com o tema deste artigo, gostaria de referir que estas taxas tão baixas não podem manter-se por muito tempo. Ora, um empréstimo para compra de casa é, na esmagadora maioria dos casos, um compromisso para a vida. Importa que quem agora decide contrair um empréstimo destes tenha a consciência que as suas prestações mensais acabarão por subir, mais cedo ou mais tarde, podendo acontecer que seja de forma (muito) significativa. Ainda há meia dúzia de anos as Euribor andavam na casa dos 5%. Como serão dentro de 5 ou 10 anos? Certamente (diria mesmo desejavelmente) não tão baixas como estão agora…
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