Artigo publicado no Jornal do Centro (03 de dezembro de 2020) Os últimos dias foram marcados, em termos noticiosos, pelo desaparecimento de Diego Armando Maradona. Penso que não andarei muito longe da verdade se disser que nos últimos oito ou nove meses foi o único acontecimento que, nas notícias, se sobrepôs à pandemia. Quase de forma unânime, a abordagem foi a do endeusamento de Maradona. Lamento, mas não estou alinhado. Considero que foi um grande jogador de futebol. Posso, até, conceder que terá sido o melhor jogador do mundo de todos os tempos (embora me pareça difícil afirmá-lo categórica, inequívoca e unanimemente). Mas por aí me fico. Pelo seu enorme talento para o exercício de uma profissão. Porém, uma pessoa com o seu mediatismo e, consequentemente, com o seu poder de influência, em particular nos jovens, tem de ser capaz de se constituir num exemplo, nomeadamente em termos de conduta, não apenas na profissão, mas na vida em geral. E Maradona não o foi. Pelo contrário. Foi muito bom de pés, no campo, mas muito mau de cabeça, na vida. Não precisamos de pensar muito para encontrar, mesmo apenas no microcosmos do futebol, exemplos de excelentes profissionais e, ao mesmo tempo, excelentes cidadãos. Sim, estou a pensar no “nosso” Cristiano Ronaldo. Mas também do igualmente “nosso” Luís Figo. Sem chauvinismos. Voltando a Maradona: aquele que é um dos seus “golos” (deliberadamente entre aspas) mais mediáticos – o que ficou conhecido pela “mão de Deus”, frente a Inglaterra, em 1986 – é o exemplo acabado do que há de pior no desporto: a mais rasteira falta de fair-play. Perdoá-lo, branqueá-lo ou, pior ainda, admirá-lo é o pior dos sinais que se pode dar a milhões e milhões de seguidores. É dizer que, em qualquer profissão, o objetivo pode ser atingido de qualquer forma, mesmo que isso signifique violar deliberada e conscientemente as regras mais básicas e festejar loucamente com isso. É tolerar – e até aplaudir – a fraude, a mentira, o logro. É fazer a apologia do chico-espertismo e da vigarice. É tudo o que não deve ser. Em qualquer profissão não basta ser competente: é fundamental sê-lo com ética. Já agora: defender e apregoar aos quatro ventos o papel do desporto em geral – e do futebol em particular, pelo seu maior mediatismo e impacto – na defesa desta ou aquela nobre causa e aceitar (para não dizer idolatrar) atos como este não é apenas incongruente: é cretino e hipócrita. ……………………… Nota: quando me preparava para enviar este artigo fui surpreendido com a notícia da morte do treinador Vítor Oliveira. Senti mais o seu desaparecimento do que o de Maradona. Há muito que respeito e estimo a personalidade do “rei das subidas”. Um verdadeiro “senhor”. Não me recordo de percecionar nele um mau perder. Mais: recordo, sobretudo, a forma como ele soube ganhar. Tantas vezes. E, tanto quanto me lembro, sempre com elevação e correção. Recordá-lo-ei como competente e ético na profissão. Saber perder não é para todos. Mas saber ganhar – sobretudo muitas vezes – está apenas ao alcance de uma minoria. Vítor Oliveira faz parte deste restrito clube.
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